Categorias
Artigos

A Escola Austríaca e como sua doutrina poderia ser aplicada no Nordeste do Brasil

Fundada no final do século XIX e difundida na Áustria pelo economista austríaco Carl Menger, a chamada Escola Austríaca é uma escola de pensamento econômico liberal, que visa a ação humana para promover o desenvolvimento econômico de uma nação, através da liberdade econômica, onde os agentes econômicos privados possam ter autonomia e segurança para fechar contratos voluntários na economia de livre mercado.

É dada o nome de Escola Austríaca por estar contida no campo das ideias filosóficas, e pela maioria de seus membros fundadores serem austríacos. Os membros da Escola de Viena como os economistas Friedrich von Wieser e Eugen von Böhm-Bawerk, da segunda geração, foram crescendo a cada ano. Atualmente é constituída por economistas como Jesús Huerta de Soto, Peter Boettke, Randall Holcombe, Mario Rizzo, Antony Mueller e Ubiratan Iorio, entre outros economistas, em diversos continentes, e seu conteúdo tem um sentido funcional nas ciências sociais e ciências humanas.

Prof. Paulo Galvão Júnior

Considerada de grande importância para o pensamento econômico atual, a Escola Austríaca nos trás uma perspectiva moderna do liberalismo econômico clássico sustentado por Adam Smith, o pai da economia moderna. Algumas de suas teorias são amplamente aceitas e defendidas por diversas instituições científicas e de incentivo ao empreendedorismo e é composta por diversos economistas desde 1871, no qual podemos citar os mais notórios: Menger, Böhm-Bawerk, Mises, Hayek, Rothbard, Hoppe e Kirnez.

Prof. Paulo Galvão Júnior

Carl Menger (1840-1921) foi o fundador da Escola Austríaca ao escrever a obra pioneira intitulada Princípios de Economia Política em 1871. O economista austríaco Carl Menger foi professor de Economia Política na Universidade de Viena e desenvolveu a teoria da utilidade marginal, ligada a satisfação dos desejos humanos que faz oposição a teoria marxista do valor-trabalho. Menger adotou uma abordagem subjetivista e individualista para mostra a sua teoria em pleno século XIX. De acordo com o economista sueco Knut Wicksell, “desde os Princípios de Ricardo, nenhum trabalho teve tanta influência no desenvolvimento da economia como os Princípios de Menger”.

Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914) foi o mais brilhante discípulo do Carl Menger, ele não foi aluno do professor Menger na Universidade de Viena, e com sua teoria de capital e juros se contrapôs a teoria marxista da exploração do trabalho ou da mais-valia, ao apresentar o conceito de preferência temporal.

Ludwig Edler von Mises (1881-1973) foi o criador da teoria básica da Praxeologia, que se baseia no axioma “Todo ser humano age” de tal maneira que todas as suas ações têm como objetivo sair de uma situação de desconforto para uma de maior conforto, buscando sempre uma qualidade de vida superior a anterior. Mises comprovou a inviabilidade do cálculo econômico sob o socialismo, o que impossibilita uma racional alocação de recursos produtivos e provoca escassez generalizada numa economia centralizada.

Friedrich August von Hayek (1899-1992), Prêmio Nobel de Economia em 1974, foi o mais famoso aluno do professor Mises na Áustria. Hayek demonstrou que o conhecimento está disperso e altera-se constantemente na sociedade livre, razão pela qual tornaria o planejamento centralizado ineficaz. Hayek realizou grandes disputas econômicas com o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946). Em pleno século XX, Hayek defendia que a economia de mercado deveria funcionar livremente, sem nenhuma intervenção do Estado, o oposto do pensamento econômico de Keynes.

Murray Newton Rothbard (1926-1995) foi um dos mais brilhantes alunos do professor Mises na Universidade de Nova York, nos Estados Unidos da América (EUA), além das suas contribuições para o ideal liberal, se destacou principalmente no campo da Filosofia Política, onde deu origem a uma metodologia ética libertária, que junta os valores capitalistas a ausência de Estado, por considerar sua natureza impositiva diante de uma sociedade integralmente livre. Rothbard demonstra como o Estado devasta a liberdade individual, a propriedade privada e o bem-estar social dos indivíduos.

Hanz-Hermann Hoppe é um dos mais célebres alunos do professor Rothbard e é um filósofo e economista defensor nato do livre mercado e da visão libertária. Assim, como Rothbard, Hoppe questiona a legitimidade do Estado por ser uma organização autoritária em sua essência e que utiliza da coerção para cobrar impostos e aplicar leis em um grupo social não condizente com o poder vigente, autoproclamado em um período histórico distinto.

Israel Kirnez é um dos mais destacados alunos do professor Mises nos EUA, nasceu na Inglaterra em 1930 e defende a competição e a atividade empresarial na economia de mercado. Kirnez é professor emérito de economia na Universidade de Nova York e o mais influente economista da Escola Austríaca da Economia na atualidade. Kirnez para melhor entender o sistema capitalista estuda com afinco sobre a competição no empreendedorismo.

Em um breve resumo do idealismo austríaco, destacamos o individualismo metodológico, o subjetivismo, a propriedade privada e o livre mercado sendo as condições fundamentais de uma organização social. Um ambiente para onde o cidadão tenha direito à liberdade individual, negociação e propriedade privada, sem interferência estatal. Tendo como base a ética e a ordem espontânea que explica uma tendência do surgimento de uma ordem social a partir de um grupo de indivíduos interessados na cooperação, que não estão intencionalmente tentando criar tal condição. Podemos citar o escambo e os hieróglifos como exemplos do que viriam a ser naturalmente o comércio e a escrita, respectivamente.

No Brasil, a mais comum crítica ao pensamento da Escola Austríaca de Economia, que comemora 150 anos em 2021, é que sua doutrina não seria adaptável a realidade brasileira, apontando que somente um Estado grande e forte poderia aliviar as seculares mazelas do País. Vejamos então como essa colocação é equivocada através de alguns fatos, dados, indicadores, índices, informações e afirmações.

O foco principal desse artigo é refletir as possíveis consequências da mudança de direção no nosso país para um caminho mais liberal, com uma orientação da Escola Austríaca, que pode ser inerente a todas as culturas e cenários socioeconômicos, desde o mais rico país europeu em PIB per capita, Luxemburgo, até mesmo, a mais pobre região em renda per capita da décima segunda maior economia do planeta, com um produto interno bruto (PIB) de 7,4 trilhões de reais em 2020 (IBGE), nesse caso, o Nordeste do Brasil.

O secular e lindo Nordeste é composto por nove estados: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. A região Nordeste produz cana-de-açúcar, algodão, cacau, frutas tropicais, arroz, feijão, soja, milho, petróleo, sal, babaçu, carnaúba, entre outros produtos. O Nordeste com suas quatro sub-regiões (Zona da Mata, Agreste, Sertão e Meio-Norte) tem produtos oriundos da bovinocultura, caprinocultura, avicultura, suinocultura, piscicultura e aquicultura. Na região temos a indústria da construção civil, de calçados, de alimentos, de bebidas, de cimento, de software, de minérios, de água mineral, de papel e celulose, entre outros segmentos industriais. No setor terciário nordestino destacamos o turismo, comércio, shopping centers, telemarketing, tecnologia da informação, farmácias, supermercados, padarias, postos de gasolina, açougues, etc.

Para dar uma noção mais profunda, alguns dados devem ser expostos inicialmente. O PIB do Nordeste foi de R$ 1,4 trilhão em 2018 (IBGE), é a região brasileira com a maior taxa de desemprego (15,6%), 43% da pobreza absoluta no Brasil está concentrada nos estados nordestinos, 4 milhões de pessoas no quadro da fome (G1 ECONOMIA, 2018), além de sete estados nas dez últimas posições do índice de desenvolvimento humano (IDH) dos 26 estados brasileiros e o Distrito Federal, o líder no ranking brasileiro. Tendo conhecimento dessa situação socioeconômica, os questionamentos são os seguintes: Quais as causas desse atraso socioeconômico? Por que mesmo com muita força de vontade, esse povo trabalhador ainda não conseguiu alcançar uma qualidade de vida melhor? Por que tantas dificuldades de empreender no Nordeste?

A resposta para essas perguntas é muito simples, falta de oportunidades. Como é possível criar oportunidades econômicas em um cenário onde além da seca, a população é castigada por governos corruptos e intervencionistas nas três esferas de governo? Em sua visita ao Brasil no ano de 1994, a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher disse “defendo um Estado pequeno e forte e o que me parece é que o que se tem no Brasil é exatamente o inverso, ou seja um Estado grande e fraco”. Essa citação resume de maneira sucinta o nosso país, que é composto por elevados impostos, altas taxas, muitas contribuições, rígidas regulamentações, burocracia e pouco retorno social para os cidadãos e as cidadãs.

No emergente Brasil, o modelo tributário vigente vem taxando a produção, o consumo, a renda e o patrimônio. São 13 impostos, 34 taxas e 45 contribuições vigentes nas cinco regiões do País. Existe muita burocracia, diversas normas, regras e regulamentações, que pesam na produtividade, na competitividade e na geração de emprego e renda. O(a) trabalhador(ra) brasileiro(ra) trabalhou 151 dias para pagar tributos no Brasil em 2020 (IBPT). Para contratar um funcionário, é preciso pagar por dois e o tempo médio para se constituir uma empresa é de mais de 100 dias úteis, depois de funcionando, a empresa gasta em média 1.501 horas no ano para cumprir suas obrigações fiscais (G20).

É um absurdo, 92 tributos no Brasil, por exemplos, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) e o imposto predial e territorial urbano (IPTU): Qual é a lógica em pagar um imposto estadual ou municipal por uma propriedade que já é sua? Nós podemos perceber claramente, que a propriedade privada é relativa, porque se você não pagar o IPVA o governo estadual vai cobrar e tomar sua propriedade ou se não pagar o IPTU o governo municipal vai cobrar e tomar sua propriedade também. Pagamos uma contribuição para custeio do serviço de iluminação pública mensal, todavia, existem ruas que estão completamente na escuridão. Como muito bem disse o economista escocês Adam Smith, o pai do liberalismo econômico, “não existe arte que os governos aprendam mais rapidamente do que sugar dinheiro do bolso do povo”.

O modelo de administração centralizada que o país possui, resulta em muitos problemas, dentre eles, em uma menor quantidade de recursos públicos que chegam aos estados e municípios. Os impostos, taxas e contribuições federais são retidos em Brasília, onde após passar por várias entidades e ministérios, chega ao destino final. Nesse tempo, grande parte é perdido para a burocracia e, principalmente, pela corrupção. As leis federais legisladas em Brasília, no Distrito Federal, pouco têm capacidade para atender populações urbanas e rurais que estão dispersas pelo país continental, com necessidades específicas em suas determinadas localidades, em particular, as mais isoladas.

O Brasil é um dos países mais corporativistas do mundo. O Estado coloca barreiras para que outras empresas não entrem no mercado. Criando assim monopólios e oligopólios que aumentam o preço, diminuem a qualidade dos serviços e a oferta de emprego. São muitos os exemplos, e em diferentes setores da economia brasileira. As grandes corporações recebem benefícios fiscais ou subsídios, enquanto, pequenas e médias empresas são eliminadas durante a jornada por regulamentos e altos impostos. Tornando assim um ambiente de concorrência desleal e monopolística.

Vigora o protecionismo, indo na contra mão do livre comércio novamente, o Governo Federal aplica restrições às importações, em uma tentativa de proteger a indústria nacional ou o agribusiness brasileiro, em plena guerra comercial entre os EUA e a China. Não concordamos com aumentos de tarifas, taxas e cotas ou mais licenças de importação no fluxo de produtos importados para o Brasil. Devemos, sim, promover o livre comércio, fechar mais acordos comerciais, abrir a economia brasileira e melhorar o índice de liberdade econômica o mais breve possível.

Em uma breve análise, podemos correlacionar os modelos de outros países, outras regiões, como exemplos a serem seguidos, como o de Hong Kong. É uma Região Administrativa Especial da República Popular da China, localizada em uma pequena ilha rochosa sem qualquer recurso natural. Como um lugar nessas condições tão inóspitas poderia prosperar? Inicialmente era uma humilde vila de pescadores e hoje uma enorme metrópole global com 7,4 milhões de habitantes, repleta de arranha-céus luxuosos que servem de base para as maiores empresas da Ásia. Ocupando o segundo lugar no ranking mundial do índice de liberdade econômica, com 89,0 pontos, atrás apenas de Singapura, com 91,0 pontos (HERITAGE FOUNDATION, 2020), Hong Kong tornou-se o ambiente perfeito para a geração de riqueza onde antes não havia oportunidade, e durante anos, serviu de lar para uma massa de imigrantes chineses e dessa forma surgiram pequenas e médias empresas e sedes de grandes corporações, além do índice de liberdade econômica na categoria livre provocou também um IDH muito alto. Hong Kong ocupa a quarta colocação no ranking do IDH no mundo, com 0,949 (PNUD, 2020), atrás apenas de Noruega (0,957), Irlanda (0,955) e Suíça (0,955).

Retornando a nossa realidade, o direcionamento liberal no Brasil, especificamente na região Nordeste, a segunda região mais populosa do País, poderia ter consequências concretas a longo prazo. A abertura comercial, competição, liberdade individual, autorregulação de mercado pelos preços e redução de regulações governamentais, dariam espaço a concorrência do setor privado, que fecharia as lacunas deixadas pelos governos.

Dados comprovam que cidades brasileiras que liberam investimento privado no setor de infraestrutura têm conseguido quase plena cobertura de saneamento básico e coleta de lixo. Projetos de startups que interligam o pequeno produtor rural a grandes redes consumidoras urbanas, através da internet, garantem renda e emprego para diversas famílias. O interesse privado poderia mudar totalmente essa realidade. Vale ressaltar a importância de uma educação de qualidade em conjunto ao incentivo econômico. Neste caso, o sistema de voucher suíço seria um excelente caminho, no qual poderia ser utilizado tanto na área educacional como na saúde, além de refeições.

Não subestimemos a proatividade do povo nordestino, dando-lhe autonomia e condições para que possam prosperar, então, veremos cidades inteiras se livrarem das correntes assistencialistas. Entretanto, é necessário expor que na visão neoaustríaca, a diminuição da máquina estatal é o fator primordial para qualquer mudança a longo prazo. A atual conjuntura socioeconômica no Brasil é muito preocupante, a dívida bruta do governo federal é muito elevada, já passou dos R$ 6,6 trilhões (BACEN) e o número de pessoas sem coleta de esgoto em seu domicílio é muito alto, já alcançou 100 milhões de habitantes (INSTITUTO TRATA BRASIL). O capitalismo de compadrio brasileiro enfrenta ao mesmo tempo três graves crises: crise sanitária, crise econômica e crise ambiental.

Para concluir, relendo sobre a História do Brasil, notamos que o nordeste brasileiro sempre foi protagonista de grandes revoltas liberais, como a Conjuração Baiana no século XVIII e a Revolução Pernambucana no século XIX, porém, atualmente, a população se faz passiva diante de tantas injustiças e da crescente desigualdade econômica no País. Isso se deve em parte pela descrença na mudança, a falta de oportunidades e o não acesso à educação de qualidade em plena Quarta Revolução Industrial. É lamentável que a população nordestina seja uma das que mais sofrem com os impactos socioeconômicos da pandemia da COVID-19 no Brasil: o aumento da inadimplência de pessoas e empresas, o crescimento do desemprego, o aumento de falências das empresas, além do empobrecimento de famílias.

Nota (*): Artigo realizado a quatro mãos, por GUILHERME BARBOSA DA SILVA NETO, aluno do Curso de Graduação em Administração no UNIESP, e pelo economista PAULO FRANCISCO MONTEIRO GALVÃO JÚNIOR, professor de Economia no UNIESP, nas comemorações alusivas aos 150 anos da Escola Austríaca, em plena pandemia da COVID-19 no mundo, que infelizmente, já provocou a morte de mais de 2,7 milhões de pessoas em 192 países (JOHNS HOPKINS UNIVERSITY, 2021).

Por PAULO GALVÃO JÚNIOR

Economista (CORECON-PB 1392), é também Palestrante, Colunista, Autor e Coautor de 230 artigos de Economia publicados em sites no Brasil e no mundo, sobretudo, na Rússia. Eleito pelo CORECON-PB o Economista do Ano 2019 na Paraíba.

PRÓXIMO eBook: "OPINIÃO ECONÔMICA". EM BREVE!!!! AGUARDE!!!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *